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"fiz uma canção discreta só para você
ninguém pode saber da letra que você lê"

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

multifacetada

Quer saber como é a minha saudade? A minha saudade adora purê de batata, beterraba e é viciada em açaí. Talvez por isso tenha tanta energia; ela só come com farinha e adora almoçar com banana. Mas ela é tão grande que precisa se alimentar bem, e come muito e engorda, mas é uma delícia de saudade. Ela é muito forte, tem dois braços enormes, que não me dão outra alternativa, que não sentir saudade mesmo.
De vez em quando me faz gargalhar de desespero porque me faz cócegas: é aquela gargalhada boa como quem tem uma lembrança gostosa, mas desesperadora como de quem sente falta disso como se lhe faltasse um braço. Sempre estala meus dedos, especialmente os dos pés, porque é mais difícil de escapar, mas eu sou muita esperta e consigo.
Essa saudade é meio em tons pastéis, tenta e tenta ser discreta, com alguns detalhes em marrom; de vez em quando usa xadrez bebe muita cachaça e bebe mais ainda whisky. Sempre dorme antes de mim e me deixa acordada sentindo sua respiração de sono profundo; e sempre acorda primeiro e me desperta intensamente. Ela me liga todos os dias, todas as horas, pra me mostrar que está ali e que ai de mim se não senti-la. E nem tem como não sentir. Minha saudade me dá calor, me dá fome, me dá música, me dá amor, me dá alegria, me dá vontade, me dá prazer e medo.


É uma saudade tão forte, descontrolada, exagerada e nervosa, tudo isso sem deixar de ser mansa, doce, sem deixar de desmanchar na boca.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Um balbucio

Composição(ões): José de Holanda


No lençol sapatos
bolsas e cordões
gotas de cachaça
e colares no chão

Na gaveta, apertada
a roupa amarrotada no colchão
em pose de retrato
no perfume de depois

Já manha, café pileque o chá
cinema, atravessar vermelho o farol
um filme a lhe rodar
no palco de onde um olhar atento
de certo não mentiu

A estadia adiada
arrancada por conta do patrão
mas se o trabalho encalha
ela perde a condição.

Na espera do vagão atrasado
o trem para à estação
não tem carro esperando
não tem bonde andando, não tem condução.

Já manha, café pileque o chá
cinema, atravessar vermelho o farol
um filme a lhe rodar
no palco de onde um olhar atento
de certo não mentiu

sábado, 25 de setembro de 2010

capítulo X . a mesa

juiz de fora

"A mesa... nada demais", você pensou. Mas é uma intensidade, um exagero com tudo que acontece e que tem algum sentimento, que uma simples mesa de almoço não passaria despercebida ao olhar de um exagerado, de um amante, de um poeta, de um fotógrafo, de um de um amante fotógrafo poeta  exagerado. E sentimental (com coração saliente). A mesa tipicamente mineira virou poesia com a lente. Mentira, virou poesia com a sensibilidade dele. A couve, o bife, as batatas fritas, o arroz com feijão temperado, tudo era parte de um cenário, de uma peça que já havia começado há um tempo. Uma simples mesa de almoço. Um dos cenários mais bonitos, mas que fazia parte dos bastidores. Enfeitava um dos momentos mais bonitos de todos, de tão pequeno. Aquela mesa significava tanta coisa, tanto amor, tanto trabalho por trás da confecção daquele cenário, daquela cena. Tanto custo, que nem comer ele queria.

                                                                               por holandazé



domingo, 29 de agosto de 2010

capítulo IX . a aurora

juiz de fora


Que surpresa! Que delícia de manhã fria! Eu? Dormir? Não dormi não! Fiquei aqui proseando com você, amanhecendo vagarosa. Pensando na hora certa de levantar silenciosamente, escrever um bilhete e sair pra comprar umas coisas para o café da manhã. Pensando num jeito de abrir a porta sem alarde, pensando no queijo minas mais fresco que tivesse e no leite. Como sempre pensando demais e demorando um pouco pra isso. Mais cedo olhei se tinha filtro pra coar o café e tinha um só! Acho que não tinha café não, mas eu ia comprar. E também ia procurar umas bananas. Tudo ia ficar tão bonito pra você... "vou só esperar clarear, né...", pensei. E, enquanto isso, confabulava um bilhete: seria muito bonito, seria poético e faria sorrir, como tudo ali.
Mas acabou amanhecendo tarde demais para a surpresa, não teria dado tempo. Esperei sem ansiedade, mas depois não deu mais. Eu dava qualquer coisa pra ver sua cara, ao acordar, não me vendo e encontrando o bilhete que eu teria escrito e que seria lindo.
Por fim, o dia na verdade não chegou a clarear, o que fez da minha espera vã, de qualquer forma. O que também me fez concluir que já devia ter amanhecido há muito tempo também.
O pingado e a laranjada foram d'ali de perto. Sem alternativa, amanhecemos e saudamos a chuva fina que ensaiava cair e o frio dia bom que amanhecia e prometia.
Bom dia!

capítulo VIII . a insônia

juiz de fora



Tudo como haveria de ser, principalmente com o calor e o amor daquela preciosidade de bebida e de momento. Eu tentava dizer as coisas... meu Deus, como eu tentava! Havia o que ser dito e isso precisava ser feito de várias formas, mas o sono não permitia que houvesse um diálogo. Acorda, escuta... Ah, não, deixa. Então, no silêncio, escrevi tudo, só observando... Eu escrevi coisas bem boas e bonitas. Pensei em tanta coisa, tanta prosa bonita que até dava um capítulo de livro. Tudo que me veio eu disse; tudo que queria dizer. E eu sei que foi tudo ouvido, perfeitamente compreendido e, de alguma forma, sentido. Sobretudo sentido. Observei o tempo todinho cada detalhe, fiz várias notas, pensei no frio, no sono, no cheiro, na fome, no ar e na respiração, no dia seguinte, nos olhos abrindo. Esperei pacientemente e sem ansiedade alguma por isso; nem pareceu uma espera, de tão agradável. Eu cometeria o descuido de dormir? Se eu dormisse, amanhã ia chegar muito mais rápido... e não podia. Não mesmo, vivi tudo. E eu só pensava em uma coisa: queria por o mundo em uma mesa de café e entregar de presente, com um copo de pingado.


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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

capítulo VII . o bom

juiz de fora


É preciso estar preparado para tanto e não se pode aceitar um desafio por pura vaidade de querer provar que se é capaz. Mas aceita-se. Mesmo sem saber, aceita-se. As consequências variam de pessoa para pessoa. Algumas estão acostumadas com tanta intensidade, outras mal conseguem disfarçar a falta de costume. E desse jeito vive-se.
Foi assim comigo, tudo de uma vez, mas a escolha foi minha.
Era quente, intenso e provocava calafrios. Um paradoxo perfeito de percepções.
Esquentava... era inebriante, porque fazia pensar em tanta coisa, fazia imaginar situções, visualizar coisas em um futuro um tanto quanto distante.. e eram coisas lindas, gostosas, que não havia de ser possível, só podia ser muito bom mesmo pra ser verdade. "Tanto clichê, deve não ser." Sensações diferentes, nunca experimentadas antes, mas sempre conhecidas de livros, músicas e conhecidos.. Era isso que fazia sentir. E esquentaria mesmo qualquer momento, qualquer hora, qualquer coração, qualquer estômago. Fazia sentir calor, sentir amor, sentir mais calor, depois mais amor. Depois amor com calor. Dava vontade de só ser feliz e pronto. Ele trouxe consigo, com muito zelo e orgulho, o cuidado era pra não quebrar, porque apesar de forte, vinha dentro de vidro. Essas coisas precisam de muito cuidado, não se pode desperdiçar, é até pecado fazer isso, gente! Mas cuidado mesmo, mais ainda, carece é quando entorna: qualquer faísca e já pega fogo em tudo. E pegava mesmo! Era tão poderoso, que podia matar a gente, podia embriagar a gente, podia só deixar feliz, alegre, ou então fazer chorar... Isso também varia de pessoa para pessoa. Eu fechava os olhos e pouco depois abria, sem acreditar.
A cachaça era Boazinha, exatamente como ele.



sexta-feira, 6 de agosto de 2010

capítulo VI . o pinho (ou o outro amigo)

juiz de fora


Esse sim parecia complementá-lo. Tudo o que queria dizer e que sentia, era passível de se tornar letra, música, melodia. E se pudesse, sei que andaria com ele nas costas onde quer que fosse. Tanta coisa vivida juntos, todo amadurecimento. No fim sempre restava ele e o violão, a sós, no quarto ou nos fundos da casa. E tão logo teve oportunidade, já começou me dizendo que fui a fim de azucrinar-lhe o juízo e a fim de lhe carregar. E eu, que não peço quase nada e ganho tudo, só queria carregá-lo mesmo. Fascinante a capacidade de fazer música e a intimidade. Nem houve tanto tempo assim para o violão, mas ele teve seu breve espaço e marcou. Digo isso porque -eu sei!- um homem munido de um violão pode arrepiar uma mulher, sem sequer tocá-la, ele é capaz de muitas coisas, todas bem pequenininhas, que eu ainda pretendo dizer aqui. Nesse dia eu nem imaginava, mas esse mesmo violão ainda seria protagonista de um dos momentos mais comoventes da minha vida, se não o mais comovente.